23.3.05

A escritora

E nasce e cresce, esta escritora, que evito e escondo. Em nome fictício, em português errado. Insistente em me traduzir para mim e me confundir para o outro. Está onde penso que não estou e vê o que evito ver com olhos de carne; depois me conta, em ondas, em nós em versos. Não mede muito as palavras, nem as guarda em diários póstumos. As arrebata de mim e as cospe sem os suavizantes lacres, sem a piedade do retorno frio, lacônico, monossilábico. Esta sim, esta me maltrata, com sua crueza e virilidade de moça, em palavra, viciada. Em tudo proibida, em nada acatada. Escritora, poeta, em vida de faca. Rarefeita, solitária, desalmada, Noir.
Quando fala, lhe imprimem silêncio, silêncio eloquente e mordaça.

Queria essa moça pra mim. Um poema seu e correria ávida para seus braços.

Seu coração

O coração, antes humano, era agora um labirinto de refúgios lilazes.
Lilás como a frieza discursiva de quem fala apenas de si
e como a palidez da flor não enviada.

Os muros por um intervalo tornados transparentes,
acirram sua opacidade temendo mostrar o caminho

O cenário sórdido da festa indescente, para a qual os verdadeiros
amores não foram convidados, é iridescente.
Vezes mostra os corpos, vezes, o que ficou de fora.

Sobrou esse subterfúgio árido,
com diversas saídas para outro lugar e para si mesmo.
São escolhas.
Não há mais minotauros a enviar.

O fio de Ariadne amorosamente tecido, recolhido foi,
para salvarem-se e sair de onde não podem mais permanecer.

O coração, antes humano, em labirinto de refúgios se transfêz.
Lilás de uma boca muda e inerte
Lilás como tez deslumbrada.

A palidez da flor não enviada, capturada foi
e replantaram-na em algum lugar de amorosa umidade.

Muros, por um intervalo, tornados transparentes.
Muros, rejeitando seus bastardos.
Murros que estancam nossos íntimos azuis escravos.

Estas histórias constróem cicatrizes.
As cicatrizes são lilazes.

Aprisionada

Um barco me atraca.

Convés de nuvens
nuvens de traças.

Um barco me traça.

Vazio, Vazias
trapos, desgraça.
Nu de vento. Nu, ameaça.

Um barco me lava.

Amordaçando, amordaçando,
amor e mordaça.
Dançando, dançando,
dançando, não passa.

Mordendo, lambendo,
azul e negra barcaça.
Carcaça,
Sobra, sombra que caça.