28.9.06

Paus e Copas

Cinco cavaleiros
Em quatro naipes

Todo amor é proibido

Um corpo de dois
Um olho no outro, felino
A disputa é sincera
Se encerra em copos vertidos de ouro

Todo amor foi proibido

Uma rainha nua em Copas,
encerrada, estava.

Tudo é, amor proibido
Toda espada tem dois lados

14.6.06

contador

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6.5.06

Sobra do Afeto

Sou o murmúrio de um cão
Um cão de sombra
Um cão amarelo

Sobra vivente
De afago e de língua
Afogada em medo
Afiado canino

Ser de vento
Amarelo de tinta
Cão-rasurado, cão-acuado, cão-menino

Sou um ser do “entre”
Pena, penugem em dó
um castro, um lastro,
um rastro que míngua

Sou, sem ser do-ente
Um âmago ausente
Um ser-fragmento

Sou fiel, sou fiel e sou felina

16.4.05

A tal da Flor do Medo

Branco fugidio em cada pétala,
Palidamente corada no interior do cálice,
Hastes do azul de 100 anos,
Pontas de fogo evitando contato.

Flor que estanca urgências,
Distrai afetos espontâneos,
E se ele morrer agora?
Flor não terá deixado ele beber da boca proibida!

Inala esta fleur para ganhar mil camuflagens.
Exala aparente controle.
Oculta o amor em macho-disfarce.
Permanecendo ereto, com seu coração intacto.

Flor que proibe os vícios.
Separa e une os amantes.
A serviço da Igreja, a serviço,
do medo, a serviço, do Homem,
do controle, do padrão, do mesmo.

Flor da impossibilidade

Flor de formol, de fórmula, nega a fome.
Florece canibalizando,
devorando o que é ousado.

Eu te arranco as pétalas flor.
Amarga o amor em minha língua.
Cuspida em palavra, com-paixão,
que corta com sua cimitarra

Flor do medo
Flor da imutabilidade.

Clarisse Tarran

23.3.05

A escritora

E nasce e cresce, esta escritora, que evito e escondo. Em nome fictício, em português errado. Insistente em me traduzir para mim e me confundir para o outro. Está onde penso que não estou e vê o que evito ver com olhos de carne; depois me conta, em ondas, em nós em versos. Não mede muito as palavras, nem as guarda em diários póstumos. As arrebata de mim e as cospe sem os suavizantes lacres, sem a piedade do retorno frio, lacônico, monossilábico. Esta sim, esta me maltrata, com sua crueza e virilidade de moça, em palavra, viciada. Em tudo proibida, em nada acatada. Escritora, poeta, em vida de faca. Rarefeita, solitária, desalmada, Noir.
Quando fala, lhe imprimem silêncio, silêncio eloquente e mordaça.

Queria essa moça pra mim. Um poema seu e correria ávida para seus braços.

Seu coração

O coração, antes humano, era agora um labirinto de refúgios lilazes.
Lilás como a frieza discursiva de quem fala apenas de si
e como a palidez da flor não enviada.

Os muros por um intervalo tornados transparentes,
acirram sua opacidade temendo mostrar o caminho

O cenário sórdido da festa indescente, para a qual os verdadeiros
amores não foram convidados, é iridescente.
Vezes mostra os corpos, vezes, o que ficou de fora.

Sobrou esse subterfúgio árido,
com diversas saídas para outro lugar e para si mesmo.
São escolhas.
Não há mais minotauros a enviar.

O fio de Ariadne amorosamente tecido, recolhido foi,
para salvarem-se e sair de onde não podem mais permanecer.

O coração, antes humano, em labirinto de refúgios se transfêz.
Lilás de uma boca muda e inerte
Lilás como tez deslumbrada.

A palidez da flor não enviada, capturada foi
e replantaram-na em algum lugar de amorosa umidade.

Muros, por um intervalo, tornados transparentes.
Muros, rejeitando seus bastardos.
Murros que estancam nossos íntimos azuis escravos.

Estas histórias constróem cicatrizes.
As cicatrizes são lilazes.

Aprisionada

Um barco me atraca.

Convés de nuvens
nuvens de traças.

Um barco me traça.

Vazio, Vazias
trapos, desgraça.
Nu de vento. Nu, ameaça.

Um barco me lava.

Amordaçando, amordaçando,
amor e mordaça.
Dançando, dançando,
dançando, não passa.

Mordendo, lambendo,
azul e negra barcaça.
Carcaça,
Sobra, sombra que caça.

26.9.04

Um Oráculo Para Mim

O vaso de porcelana vítrea turquesa que continha os corações dourados caiu.
Partiu-se e a água se foi.
Aquele moço mouro que morou em mim,
também se foi.

Não há avisos para quedas e perdas.
Aquele moço mouro que devia ter ficado, partiu.
Partiu-se o vaso dourado.
Partir é mouro. (Partir é cigano também)

Presentes e pessoas chegam sem avisar.
Armadilhas vítreas.
Presentes e pessoas são poemas que
se cumprem e se vão. Em vão.

Algumas batalhas são feitas dentro dos corações
Algumas visitas chegam para matar o amor
Sempre há um perdedor em mim

Sobrou um só coração dourado
e o olho vazio, fitando o espaço,
agora vago.


CT -setembro 2004

24.8.04

O Mundo estava mudo

Éramos feitos de nuvens.
Havia essa sensação de não ter peso, mas ser tão pesados quantos nossos sentimentos. Tudo ao redor era azul/plúmbeo, em passagens de tons delicados de branco e prata. Não havia nada de intoxicante. Não havia o mundo. Não havia valores. Não havia mais ninguém. Não havia medo, não havia esse morrer de amor nem esse se morrer. Não havia a ansiedade, nem o vício. Todo julgamento e erro estavam ali sendo ditos. Todos os arrependimentos, todas as ausências, todas as renúncias, todas. Todo amor estava ali. Éramos alguns, mas éramos a mesma pessoa. Meu corpo tombado numa mesa e os olhos (de Deus?) pousados nele. Um corpo entregue. Ríamos como fazíamos num passado próximo. As lágrimas talvez estivessem em contas num belo colar em meu pescoço agora. Éramos tão próximos que todo o mundo havia se tornado distante. Nossa luz fluía para o outro e para o outro.
Bebíamos um ao outro.

Um tempo de ser-coração.

Muito tempo se passou assim. Até que acordasse triste novamente.

Clarisse Tarran

19.8.04

O presente

Essa mesa,
essa pequena bela mesa
no meio desta sala.
Dura, altiva, desalmada.

Me desamparando
em sua espera vazia.
Com sua superfície
de pranto e amparo.

Um ser i-móvel de quatro patas,
irônico, teso, inanimado.

Essa mesa que se ergue
em pontinhas torneadas
oferecida oferecida, ofertada,
me dando amorosamente
todo o seu nada.

Clarisse Tarran - 29 de agosto de 2002
O Ponto de Encontro dos Blogueiros do Brasil
Divulgue o seu blog!

18.8.04

A Imperdoável

Beleza,

Não se perdoa quem não a tem
Não se perdoa quem a tem
Não se perdoa quem a perdeu
Não se perdoa quem nunca a conquistou

14.8.04

O Silêncio é um Eunuco

O silêncio é um eunuco
De pé, intransponível, inalcançável
Estátua carnal, desencarnada.
Para o qual cito preces, para o qual minha alma cala.

O silêncio é um eunuco,
De sal, de fel, de preciosos cacos
Tecendo vísceras felinas,
em mim, em mim bordadas.
Condenando-me à espera,
nessa roca pueril, rota abandonada.

O silêncio é um eunuco
Pelo qual luto. De Luto.
De negro, de armas, amarras,
Lâmina, lábios, nada fere, nada abala.

Eunuco, me guarda, nada move,
eunuco sem tara.
Nada possui, nada, para mim, nada.

Eunuco aqui dentro, lá fora,
arma desembainhada,
em riste, de pronto, generosa, desfraldada.
Eunuco que ri, de mim aprisionada.
Em silêncio eunuco, por ti aprisionada.


Clarisse Tarran - agosto 2004

Falando Sério

Sex and Love Adict, foi o que disseram.
Sento, aceito e procuro amparo, ou fundo uma seita e tiro mais um sarro?

Ando fugindo das palavras para não contar mais a mim mesma quem sou.
Esta que finge ser livre e imoral, mas procurando-a bem, acha-se apenas uma pequena menina que ofertaram pouco a mão que cuida. Livrai-nos de toda pieguice das cidades, que não há disto nos ingênuos campos ou nas modestas casas.

Fugir e fingir formam uma irmandade segura. São Fu e Santa Fing, padroeiros da sacanagem proibida, rapidinha, abençoada. Um hino com sons de zípers e whispers e molas quebradas. A hóstia é de batom, o genuflexório é brinquedo incrementado, em dois modelos à escolha, um de encaixe, o outro de enfiar. A casinha de confessar sempre teve treliça; para espiar, para esconder, para chupar. Adiciona-se mais cetim, rendinha e veludo, aumenta-se o perímetro dos furos e ali, aumenta-se caridosamente a culpa a se perdoar.

Sou hipócrita só quando não posso deixar de sê-lo. Ou quando afetaria inocentes. Mas é estranho este lugar aqui. Parece que todos são inocentes, ou fingem sê-lo. E eu, onde fico?
Mim própria me responde: Na navalha, não no fio. Na lâmina, só na lâmina.

Clarisse Tarran - em carne

Ela secreta

Eram 6.
De todos os tamanhos.
Texturas variadas.
Cores diferentes, das matizes quentes; menos um, meio azulado.

Ela os acionava conforme sua necessidade hormonal; mais carente, mais prática, mais animalesca. Ou, conforme algum acontecimento do dia que a levasse a se lembrar de um ou de outro, determinando com qual deles queria estar mais tarde.

Suas amigas ficavam estupefatas com tal fartura e variedade. - Como você aguenta? Dizia Ana, a mais contida. Soraia madura e experiente, compreendia melhor, mesmo casada com um homem vigoroso, vez ou outra lançava mão e até compartilhava de tal intimidade.

Eram seis. Todos casados.
Menos um. O menor, o tal azulado.

C Tarran

A Manhã Espera.

Era cedo demais para estar ali. Sua pontualidade valeria a pena se não tivesse esquecido as chaves e pudesse surpreendê-lo com pão fresco e café quente antes de um dia clichê-exaustivo. Ficou ali parada, aguardando que as janelas se abrissem ou a porta se destrancasse.

As pessoas que passavam eram sempre as mesmas de todos os dias, como são todas as pessoas que vivem ao redor das praças. Sendo forçada a observá-las atentamente, naquela prisão de espera, ela pôde concluir algumas idades, seus gêneros, suas aparentes aparências. A grande praça central estava também aprisionada, em imensas e extensas grades verdes, como ela ali estava. Toda sua beleza só podia ser visitada em horários diurnos pré-estabelecidos, sob o olhar vigilante de seguranças públicos. Sua essência de praça-liberdade não podia mais transbordar para o urbano triste da cidade.

Ela olhou para as grades das grandes janelas da casa que não podia acessar pensando em seu gato faminto. Muitos minutos além de um atraso haviam se passado. Os bancos da praça eram distantes como as escadas do casarão trancado. Um senhor passou resmungando algo que poderia ser o auto convencimento de que ela não estava ali naquela esquina, disponível para uma subidinha no Hotel Paris. Sua bolsa de rosas de couro lhe imputavam um preço alto e protetor.

Em segundos, a luz dourada de manhã, mudou para um tom mais pálido e quente. Todos os visitantes do dia chegaram juntos. Ele surgiu pequenininho no fim da praça que se abria em imensos e opostos portões diagonais, arrastando em leque atrás de si toda e invejável libertina liberdade. Havia em seu sorriso pleno de noite ilícita, o frescor da barba feita e o hálito de café morno e alheio.

Ela escondeu a sacola com os pães frios no seu melhor sorriso triste e amarelado. Olhou para sua própria alma de praça e se sentiu sozinha novamente.

C. Tarran ou V. Noir - ainda não sabemos

Arte/debarte - nóis, cachorros que só late.

arte do Lat. arte s. f., conjunto de preceitos ou regras para bem dizer ou fazer qualquer coisa; tratado, livro que contém esses preceitos; artifício; ardil; faculdade; talento; habilidade; ofício; profissão; indústria; diabrura.


debate s. m., discussão; altercação; disputa; questão; contestação.


debarte - nóis, cachorros que só late.


Os participantes da mesa, no lançamento da revista Arte e Ensaio no Centro HO (Hélio Oiticica) no Rio de Janeiro, conclamaram o público ao debate. Não houve muitas vozes e Glória Ferreira encerrou, com esta estranha constatação de que ao se abrir o debate, ele não acontece, ao não se abrir, as pessoas reclamam. Saí extremamente incomodada.

Quem quer realmente o debate? Artistas querem o debate? Curadores querem o debate? Quem quer mudança? Quem se envolve, quem doa tempo?

Começando pela organização espacial e arquitetônica a que somos submetidos, ainda nos organizamos para estes eventos em salas com tablados, uma fileira mais alta para os especialistas convidados e filas de espectadores que não se olham, ao estarem sentados voltados para frente, lado a lado. Neste caso, continuamos com os pedestais e as molduras.

O que poderia ter sido dito ali? Podíamos ter falado do que está acontecendo na Rio Arte? Do encerramento das bolsas da prefeitura para os artistas, logo após o evento Guggenheim? Alguém falou disto? Do resultado dos doze dias de debates da Funarte (Projéteis de Arte Contemporânea) onde falou-se de praticamente todas estas questões, com 36 debatedores e 50 horas de gravação? Da criação de um núcleo independente de Artes Visuais na mesma Funarte e suas eventuais consequências? Do Panorama? Do Mapeamento? De menos de 1% do orçamento do governo para cultura? Da dimensão surreal que vivenciamos ao montar uma exposição em uma instituição pública? Da postura destas instituições de que abrir o espaço é mais que suficiente? Do pró-labore dos artistas que não existe ou é irrisório? Da Brasil Connects? Da Lei Rouanet e suas mudanças? Todos participam das mudanças? Da imprensa, que limita a informação sobre os eventos da cultura, diariamente, conforme as sobras de suas páginas? Da ausência de um mercado que absorva a produção brasileira no Brasil? Do neo-liberalismo no mercado? De arte/ estado, arte/educação, arte experimental, arte/ação? Da exaustão a que estamos constantemente submetidos pelos nossos trabalhos paralelos que nos sustentam? Das reuniões que eventualmente conseguimos fazer este ano apesar do pouco público? Dos editais? Ahhh! Os editais!!! Das maledicências, tão bem citadas por Fernando Cocchiarale ontem? De nossos ocultos preconceitos? Da nossa mania de formar panelas? Da EAV do Parque Lage e sua "sub-sobrevivência" nos últimos dez anos? Do IPHAN? Do Paço? Dos novos, não dos jovens apenas, artistas? E tantas outras coisas....

Saí rapidamente com meus amigos, meio envergonhada de mim mesma.. Falar de que? O que tinha sido eleito como assunto? Perdi o começo. Será que foi ali?

Fomos jantar e ver chegar ao restaurante uma grande mesa, esta sim, bastante falante da arte. Vindoura do evento, lá estava, eleita, aprovada.

E continuo por aqui, com meus monólogos de artista-sem-diploma, mais mergulhada em meu trabalho próprio. Não sei se agrado, se agravo, nem o que desperto, mas continuo tentando (e espero nunca conseguir) aprender que nesse meio, o certo é calar, para das certas vinganças e possíveis exclusões futuras, se livrar.


Clarisse Tarran

Azul Sanguíneo

Ela se abaixou tentando esconder naquele lixo o papel
sujo de sangue. Não havia nada que pudesse fazer
naquele dia. Era dia de à penas, sangrar. Tudo corria
em rios, sua inconveniente fragilidade, sua exausta
coragem, sua insistente tristeza. No entanto tudo parecia estar
suspenso, flutuante, estagnado, naquele espaço oco
entre o coração e as costelas. Na boca do estômago
encenava-se eternamente todo drama da cena. Inútil
tentar esquecer algo nesse dia. Dia de sangrar, dia de
lembrar. Os espinhos, as farpas os anzóis; estão todos
ali, sem medo de estar. Olhos sinistros, sinos tristes
marcando esse dia cinza, arrastado.

Ela puxa cuidadosamente um lixo e depois outro para afundar seu
sanguíneo rastro. Um papel brilhante de turquesa
intenso-brilhante no fundo do saco improvisado, acena
sua beleza de cor calmante, mergulhando sua vermelha
existência na possibilidade da masculina e libertadora
imensidão oceânica.

As letras marinhas vão formando a palavrinha impressa
em uma quadrada superfície metálica. P-r-e-s-e-r-v. Ela sorri
timidamente lembrando-se do conselho dado o amigo
querido, de se preservar e encontrando naquela cor uma
possibilidade da preservação de si mesma.

Mas as letras continuam e um adendo a faz mergulhar em
seu fluxo outra vez. Ex. Ext. Extr. Extra - Maior
comprimento. Maior largura. Para seu maior conforto.

Estranha, entranha, estrada, entrada, extenso, exata, existência, extra, a que sobra, extraviada.

Sua negra bolsa caótica de boca aberta lhe oferece: Sempre
livre, noturno, com abas, com gel, melhor absorção. Para
seus dias de desconforto.

Seu sorriso empalidece fugidio. É hora de sangrar novamente.

Clarisse Tarran - 2004