14.8.04

Azul Sanguíneo

Ela se abaixou tentando esconder naquele lixo o papel
sujo de sangue. Não havia nada que pudesse fazer
naquele dia. Era dia de à penas, sangrar. Tudo corria
em rios, sua inconveniente fragilidade, sua exausta
coragem, sua insistente tristeza. No entanto tudo parecia estar
suspenso, flutuante, estagnado, naquele espaço oco
entre o coração e as costelas. Na boca do estômago
encenava-se eternamente todo drama da cena. Inútil
tentar esquecer algo nesse dia. Dia de sangrar, dia de
lembrar. Os espinhos, as farpas os anzóis; estão todos
ali, sem medo de estar. Olhos sinistros, sinos tristes
marcando esse dia cinza, arrastado.

Ela puxa cuidadosamente um lixo e depois outro para afundar seu
sanguíneo rastro. Um papel brilhante de turquesa
intenso-brilhante no fundo do saco improvisado, acena
sua beleza de cor calmante, mergulhando sua vermelha
existência na possibilidade da masculina e libertadora
imensidão oceânica.

As letras marinhas vão formando a palavrinha impressa
em uma quadrada superfície metálica. P-r-e-s-e-r-v. Ela sorri
timidamente lembrando-se do conselho dado o amigo
querido, de se preservar e encontrando naquela cor uma
possibilidade da preservação de si mesma.

Mas as letras continuam e um adendo a faz mergulhar em
seu fluxo outra vez. Ex. Ext. Extr. Extra - Maior
comprimento. Maior largura. Para seu maior conforto.

Estranha, entranha, estrada, entrada, extenso, exata, existência, extra, a que sobra, extraviada.

Sua negra bolsa caótica de boca aberta lhe oferece: Sempre
livre, noturno, com abas, com gel, melhor absorção. Para
seus dias de desconforto.

Seu sorriso empalidece fugidio. É hora de sangrar novamente.

Clarisse Tarran - 2004

Nenhum comentário: